sábado, 26 de janeiro de 2019

As virtudes, como caminho para a Luz, no século XXI

Veloso

As virtudes, como caminho para a Luz, no século XXI

Falar de Luz ou de Iluminação, também no contexto maçónico, pode ser visto e percebido em analogia com o fenómeno físico da irradiação da luz. Passa-se da Escuridão
(ignorância) para a Luz (autoconhecimento e realização) através de um processo iniciático, iluminador. O indivíduo começa na escuridão, com o espírito confuso e até incompreensivo.
Depois, desperta com certos processos, move-se e progride, torna-se mais vivo e raciocina, vê mais claro: é um homem mais pleno. De entre os diversos recursos, a educação e exercício das virtudes, pela sua imprescindibilidade, é o que aqui nos vai ocupar.
Seguindo de perto o trabalho de Alasdair MacIntyre, intitulado Depois das virtudes, podemos perceber que há três conceitos distintivos de virtude:
- Virtude como qualidade que permite a um indivíduo desempenhar bem o seu papel social, na senda de Homero;
- Com Aristóteles, percebemos a virtude como qualidade que permite a um indivíduo alcançar a sua finalidade/destino especificamente humano, ou seja, a felicidade;
- Por fim, com Benjamin Franklin, entendemos a virtude como qualidade útil para alcançar êxito nesta vida ou na vida futura.
A virtude é, em primeiro lugar, uma qualidade humana adquirida, cuja posse e exercício tende a fazer-nos capazes de alcançar os bens internos às práticas e cuja ausência nos impede efetivamente de alcançar esses bens.
Mas é preciso ir mais longe e perceber que as virtudes são aquelas disposições que, além de manterem as práticas e nos capacitarem para alcançar os seus bens internos, também nos sustentam na nossa busca de bem, ajudando-nos a vencer os riscos, perigos, tentações e distrações com que nos deparamos e oferecendo-nos um conhecimento cada vez maior de nós próprios e do bem para nós. O exercício das virtudes tem, então, uma dimensão de narrativa (cf. Paul Ricoeur), que permite dizer e aprofundar a compreensão que cada um tem de si mesmo, ao longo de uma vida, entrelaçada com as vidas daqueles que nos fazem ser como somos (cf. Pio Abreu).

Aqui surge a consciência da necessidade da tradição, porque as virtudes encontram o seu fim e propósito, não só em promover as condições necessárias para que possam alcançar-se os bens internos às práticas, e não só em sustentar a forma de vida individual na qual o indivíduo pode buscar o bem enquanto bem da sua vida inteira, mas também na sustentação das tradições que proporcionam, tanto às práticas como às virtudes, o seu necessário contexto. O exercício das virtudes mantém viva e saudável uma determinada tradição.
A promoção das virtudes tem como objetivo dotar o indivíduo das capacidades necessárias para ter uma vida boa e feliz. Assim, cultiva-se a capacidade para que sempre que houver oportunidade, o indivíduo tenha liberdade de escolha e de atuação, de acordo com o Bem desejado.
Depois desta abordagem fundamental, vou concretizar esta questão, de acordo com um dos desafios que considero ser premente nos dias de hoje: a sociedade em rede. Manuel Castelles propõe uma definição compreensiva da sociedade contemporânea como “sociedade em rede”, onde cada indivíduo se posiciona e relaciona, com uma forte mediação
realizada pelas redes sociais digitais.
De facto, as virtudes do século XXI, mesmo aquelas que ostentam nomes antigos, como por exemplo sabedoria e coragem, devem ser cultivadas de um modo novo, explicitamente adaptado ao ambiente tecno-moral emergente. Benjamin Franklin propôs as suas treze regras morais para desenvolver o carácter, em 1726. Inspirado nele, e recorrendo
ao pensamento de Sannon Vallor, vou propor uma lista de virtudes:
- Honestidade. Implica respeito pela verdade, juntamente com a capacidade de expressão para dizer esse respeito em contextos tecno-sociais. Não basta dizer a verdade, é preciso fazê-lo no momento oportuno, de forma adequada e com as motivações certas. A honestidade relaciona-se estreitamente com outras virtudes, como sejam o caso da verdade, integridade e confiança;
- Auto-domínio. Capacidade de, em ambientes tecno-morais, escolher, e idealmente desejar pelo que valem em si mesmos, aqueles bens e experiências que possam contribuir para o florescimento do humano, no presente e no futuro. Trata-se, no fundo, de educar o desejo em contextos tecno-sociais. O auto-domínio articula-se com a temperança, disciplina, moderação e paciência;
- Humildade. É o reconhecimento dos limites reais do nosso conhecimento e das nossas competências tecno-sociais. Implica reverência e espanto diante da capacidade que o mundo tempo tem de nos surpreender, renunciando ao “tecno-optimismo cego”, que assume serem boas e justificadas todas as inovações tecno-sociais. Esta virtude conjuga-se com a modéstia, reverência e espanto;
- Justiça. Em contextos tecno-sociais, a virtude da justiça abarca dois traços fundamentais: 1) uma disposição confiável para buscar e promover uma distribuição equitativa dos benefícios e riscos das tecnologias emergentes; 2) atenção ao impacto das tecnologias emergentes nos direitos básicos, na dignidade e bem-estar dos indivíduos e grupos. À justiça juntam-se a responsabilidade, equidade, reciprocidade e beneficência;
- Coragem. É a disposição confiável para experimentar, de forma inteligente e adequada às circunstâncias, medo e esperança em face, respetivamente, de ameaças morais e materiais, e diante de oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias. Articula-se com a esperança, perseverança e fortaleza;
- Empatia. É a disposição para se deixar afetar pelas emoções de outros membros do mundo tecno-moral, sentindo-se movido a pôr em prática ações concretas de atenção e cuidado para com outros membros da comunidade tecno-social. Articula-se com as virtudes da compaixão, benevolência, simpatia e caridade;
- Cuidado. Disposição para responder de forma atenta, responsável e empática às necessidades daqueles com quem partilhamos o nosso ambiente tecno-social. Articula-se com a generosidade, serviço e caridade;
- Civilidade. Disposição para responder de forma atenta, responsável e empática às necessidades daqueles com quem partilhamos o nosso ambiente tecno-social. Conjuga-se com o respeito, tolerância, compromisso e amizade;
- Perspetiva. Implica a disposição para abordar os problemas morais de forma holística e global, sem me fechar no pequeno mundo, e ponderando as consequências das minhas escolhas para a comunidade tecno-social como um todo. A “perspetiva” implica paciência, tolerância e misericórdia;
- Magnanimidade. É a disposição para compreender, também em contexto de redes digitais, grandes projetos e exercer liderança moral, com generosidade, sabedoria, visão e entusiasmo. Articula-se com a coragem, ambição e nobreza de espírito.
Por fim, como corolário, há a virtude da Sabedoria, onde cada uma das virtudes anteriores encontra a sua mais elevada expressão, quando se integram na vida de uma pessoa com sabedoria tecno-moral.
Em síntese, uma pessoa com sabedoria moral integra e cultiva as virtudes indispensáveis ao florescimento humano no contexto tecno-moral, como em todos os outros contextos.


ELBF26