Veloso
As
virtudes, como caminho para a Luz, no século XXI
Falar
de Luz ou de Iluminação, também no contexto maçónico, pode ser visto e percebido
em analogia com o fenómeno físico da irradiação da luz. Passa-se da Escuridão
(ignorância)
para a Luz (autoconhecimento e realização) através de um processo iniciático, iluminador.
O indivíduo começa na escuridão, com o espírito confuso e até incompreensivo.
Depois,
desperta com certos processos, move-se e progride, torna-se mais vivo e
raciocina, vê mais claro: é um homem mais pleno. De entre os diversos recursos,
a educação e exercício das virtudes, pela sua imprescindibilidade, é o que aqui
nos vai ocupar.
Seguindo
de perto o trabalho de Alasdair MacIntyre, intitulado Depois das virtudes, podemos
perceber que há três conceitos distintivos de virtude:
-
Virtude como qualidade que permite a um indivíduo desempenhar bem o seu papel social,
na senda de Homero;
-
Com Aristóteles, percebemos a virtude como qualidade que permite a um indivíduo
alcançar a sua finalidade/destino especificamente humano, ou seja, a
felicidade;
-
Por fim, com Benjamin Franklin, entendemos a virtude como qualidade útil para alcançar
êxito nesta vida ou na vida futura.
A
virtude é, em primeiro lugar, uma qualidade humana adquirida, cuja posse e exercício
tende a fazer-nos capazes de alcançar os bens internos às práticas e cuja
ausência nos impede efetivamente de alcançar esses bens.
Mas
é preciso ir mais longe e perceber que as virtudes são aquelas disposições que,
além de manterem as práticas e nos capacitarem para alcançar os seus bens
internos, também nos sustentam na nossa busca de bem, ajudando-nos a vencer os
riscos, perigos, tentações e distrações com que nos deparamos e oferecendo-nos
um conhecimento cada vez maior de nós próprios e do bem para nós. O exercício
das virtudes tem, então, uma dimensão de narrativa (cf. Paul Ricoeur), que
permite dizer e aprofundar a compreensão que cada um tem de si mesmo, ao longo
de uma vida, entrelaçada com as vidas daqueles que nos fazem ser como somos
(cf. Pio Abreu).
Aqui
surge a consciência da necessidade da tradição, porque as virtudes encontram o seu
fim e propósito, não só em promover as condições necessárias para que possam
alcançar-se os bens internos às práticas, e não só em sustentar a forma de vida
individual na qual o indivíduo pode buscar o bem enquanto bem da sua vida
inteira, mas também na sustentação das tradições que proporcionam, tanto às
práticas como às virtudes, o seu necessário contexto. O exercício das virtudes
mantém viva e saudável uma determinada tradição.
A
promoção das virtudes tem como objetivo dotar o indivíduo das capacidades necessárias
para ter uma vida boa e feliz. Assim, cultiva-se a capacidade para que sempre
que houver oportunidade, o indivíduo tenha liberdade de escolha e de atuação,
de acordo com o Bem desejado.
Depois
desta abordagem fundamental, vou concretizar esta questão, de acordo com um dos
desafios que considero ser premente nos dias de hoje: a sociedade em rede.
Manuel Castelles propõe uma definição compreensiva da sociedade contemporânea
como “sociedade em rede”, onde cada indivíduo se posiciona e relaciona, com uma
forte mediação
realizada
pelas redes sociais digitais.
De
facto, as virtudes do século XXI, mesmo aquelas que ostentam nomes antigos, como
por exemplo sabedoria e coragem, devem ser cultivadas de um modo novo, explicitamente
adaptado ao ambiente tecno-moral emergente. Benjamin Franklin propôs as suas
treze regras morais para desenvolver o carácter, em 1726. Inspirado nele, e
recorrendo
ao
pensamento de Sannon Vallor, vou propor uma lista de virtudes:
-
Honestidade. Implica respeito pela verdade, juntamente com a capacidade de expressão
para dizer esse respeito em contextos tecno-sociais. Não basta dizer a verdade,
é preciso fazê-lo no momento oportuno, de forma adequada e com as motivações
certas. A honestidade relaciona-se estreitamente com outras virtudes, como
sejam o caso da verdade, integridade e confiança;
-
Auto-domínio. Capacidade de, em ambientes tecno-morais, escolher, e idealmente desejar
pelo que valem em si mesmos, aqueles bens e experiências que possam contribuir para
o florescimento do humano, no presente e no futuro. Trata-se, no fundo, de
educar o desejo em contextos tecno-sociais. O auto-domínio articula-se com a
temperança, disciplina, moderação e paciência;
-
Humildade. É o reconhecimento dos limites reais do nosso conhecimento e das nossas
competências tecno-sociais. Implica reverência e espanto diante da capacidade
que o mundo tempo tem de nos surpreender, renunciando ao “tecno-optimismo
cego”, que assume serem boas e justificadas todas as inovações tecno-sociais.
Esta virtude conjuga-se com a modéstia, reverência e espanto;
-
Justiça. Em contextos tecno-sociais, a virtude da justiça abarca dois traços fundamentais:
1) uma disposição confiável para buscar e promover uma distribuição equitativa
dos benefícios e riscos das tecnologias emergentes; 2) atenção ao impacto das tecnologias
emergentes nos direitos básicos, na dignidade e bem-estar dos indivíduos e grupos.
À justiça juntam-se a responsabilidade, equidade, reciprocidade e beneficência;
-
Coragem. É a disposição confiável para experimentar, de forma inteligente e adequada
às circunstâncias, medo e esperança em face, respetivamente, de ameaças morais e
materiais, e diante de oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias.
Articula-se com a esperança, perseverança e fortaleza;
-
Empatia. É a disposição para se deixar afetar pelas emoções de outros membros
do mundo tecno-moral, sentindo-se movido a pôr em prática ações concretas de
atenção e cuidado para com outros membros da comunidade tecno-social.
Articula-se com as virtudes da compaixão, benevolência, simpatia e caridade;
-
Cuidado. Disposição para responder de forma atenta, responsável e empática às necessidades
daqueles com quem partilhamos o nosso ambiente tecno-social. Articula-se com a
generosidade, serviço e caridade;
-
Civilidade. Disposição para responder de forma atenta, responsável e empática
às necessidades daqueles com quem partilhamos o nosso ambiente tecno-social.
Conjuga-se com o respeito, tolerância, compromisso e amizade;
-
Perspetiva. Implica a disposição para abordar os problemas morais de forma
holística e global, sem me fechar no pequeno mundo, e ponderando as
consequências das minhas escolhas para a comunidade tecno-social como um todo.
A “perspetiva” implica paciência, tolerância e misericórdia;
-
Magnanimidade. É a disposição para compreender, também em contexto de redes digitais,
grandes projetos e exercer liderança moral, com generosidade, sabedoria, visão
e entusiasmo. Articula-se com a coragem, ambição e nobreza de espírito.
Por
fim, como corolário, há a virtude da Sabedoria, onde cada uma das virtudes anteriores
encontra a sua mais elevada expressão, quando se integram na vida de uma pessoa
com sabedoria tecno-moral.
Em
síntese, uma pessoa com sabedoria moral integra e cultiva as virtudes indispensáveis
ao florescimento humano no contexto tecno-moral, como em todos os outros contextos.
ELBF26
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