segunda-feira, 29 de abril de 2019

Tolerância e Alteridade

Luís Morgadinho

Tolerância e Alteridade

Diante da violência e a dor que os diversos conflitos atuais nos oferecem, importa refletir demoradamente sobre o que é a Tolerância, pois um futuro de paz depende dos nossos atos e gestos quotidianos.
A sensibilização e educação para a tolerância, nos diversos âmbitos, mas sobretudo no coração de cada I.: são imprescindíveis. Impõe-se, pois se se quer corrigir a assimetria do mundo, tornar menos desigual a repartição dos seus recursos, não se pode deixar de falar na luta contra a intolerância, a pobreza e a humilhação, como principais fontes de violência. Mas o fator fundamental, que se alcança pelo aperfeiçoamento pessoal, é compreendermos que a nossa capacidade de valorizar cada pessoa é a base da ética da paz, da segurança e do diálogo intercultural.

1. A tolerância

A tolerância tem a ver com a imagem que construímos do mundo, com um mundo alternativo. Como pode um organismo integrar o elemento estranho sem o dissolver? A bem dizer, a tolerância não tem a ver com realidades, mas com as ideias que delas fazemos: problema de comunicação, desconhecimento entendido como “risco moral”; privilégio do diálogo para encontrar o outro sem perdermos o nosso ser, porquanto é preciso julgar e poder justificar-se para viver em comum. Só pode ser tolerante, no sentido estrito, aquele que se comporta enquanto organismo e sistema. Se ele estiver interiormente pronto a acolher o estranho, o novo que o chama, sem perder a essência da sua unidade e da sua identidade, será efetivamente tolerante. Sendo assim, quando falamos de tolerância, num sentido estrito, fazemos referência à capacidade de expor, de arriscar estas ideias a que chamamos “minhas” ou a que um conglomerado histórico chama “nossas”, face à eficácia das outras razões que não são as minhas, que ao olhar e ao domínio do “eu”. De um inconsciente que, perigosamente, está a constituir um outro sistema.

2. Alteridade

Ser tolerante é aceitar o outro como outro, como diferente; mas é esta diferença que nos devolve a nós próprios, enriquecidos. Coloca-nos na interdependência recíproca e na peregrinação. A tolerância é a seriedade que admite noutrem uma maneira de pensar ou de agir diferente da que nós mesmos adotamos, que respeita a liberdade de outrem em matéria de religião, de opiniões filosóficas, políticas. A tolerância, então, é o modo em que um ser existe noutro, e expressa a radical interdependência de tudo o que existe. A força de muitas culturas tradicionais não está só na sua resistência ao infortúnio e ao sofrimento, mas na sua habilidade para tolerar, e com isto, para integrar de forma mais completa, o que em outras circunstâncias exasperaria e inclusive destruiria a gente corrente.
Mas o duplo sentido de «tolerar», a sua cisão entre suportar e combater, advertiu-nos disto: o fantasma do «intolerar» está sempre presente-ausente na tolerância, esse fantasma que transforma o outro à sua imagem, fazendo dele o seu outro, um quase-ser, um quase-outro. Aceitar o nosso destino humano é assim aceitar ser afetado pela pluralidade dos singulares que, de facto, nos afeta.
Entre os dois extremos, o de uma afirmação irredutível da individualidade, que inviabilizaria a tolerância negando a possibilidade de uma verdadeira comunicação, e o de uma redução do indivíduo à formação social e política que a tornaria gratuita como esforço voluntário, parece-nos sensato propor um meio termo, o do mútuo reconhecimento, que possibilita o surgir do “eu” e do “tu”. Não se trata apenas de relacionar dois indivíduos, mas de compreender que o Eu só se reconhece como tal no confronto de identidades e diferenças com um Tu, que só a relação torna visível a individualidade. O respeito pela alteridade não é, deste modo, mero artifício de boa convivência, mas a condição de possibilidade de revelação ao Homem pelo Homem, da sua Humanidade.
Ser cada vez mais tolerante, sem pôr em causa o que é humano no homem, é tarefa concreta, para a qual a teorização só pode apontar. A tolerância apoia-se na vivência de uma convicção: nada há mais importante que as pessoas, e estas têm que ser integramente respeitadas, com todas as suas peculiaridades e suas diferenças. Mais ainda, a atitude de tolerância tem fé na possibilidade de conduzir as disputas, controvérsias e conflitos como uma empresa cooperativa, em que ambos os lados ou partidos aprendem, ao dar ao outro a chance de se expressar.

ELBF26

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