Luís Morgadinho
Tolerância e Alteridade
Diante da violência e a dor que os diversos
conflitos atuais nos oferecem, importa refletir demoradamente sobre o que é a
Tolerância, pois um futuro de paz depende dos nossos atos e gestos quotidianos.
A sensibilização e educação para a tolerância, nos
diversos âmbitos, mas sobretudo no coração de cada I.: são imprescindíveis.
Impõe-se, pois se se quer corrigir a assimetria do mundo, tornar menos desigual
a repartição dos seus recursos, não se pode deixar de falar na luta contra a
intolerância, a pobreza e a humilhação, como principais fontes de violência.
Mas o fator fundamental, que se alcança pelo aperfeiçoamento pessoal, é
compreendermos que a nossa capacidade de valorizar cada pessoa é a base da ética
da paz, da segurança e do diálogo intercultural.
1. A
tolerância
A tolerância tem a ver com a imagem que construímos
do mundo, com um mundo alternativo. Como pode um organismo integrar o elemento
estranho sem o dissolver? A bem dizer, a tolerância não tem a ver com
realidades, mas com as ideias que delas fazemos: problema de comunicação,
desconhecimento entendido como “risco moral”; privilégio do diálogo para
encontrar o outro sem perdermos o nosso ser, porquanto é preciso julgar e poder
justificar-se para viver em comum. Só pode ser tolerante, no sentido estrito,
aquele que se comporta enquanto organismo e sistema. Se ele estiver
interiormente pronto a acolher o estranho, o novo que o chama, sem perder a essência
da sua unidade e da sua identidade, será efetivamente tolerante. Sendo assim, quando
falamos de tolerância, num sentido estrito, fazemos referência à capacidade de expor,
de arriscar estas ideias a que chamamos “minhas” ou a que um conglomerado histórico
chama “nossas”, face à eficácia das outras razões que não são as minhas, que ao
olhar e ao domínio do “eu”. De um inconsciente que, perigosamente, está a
constituir um outro sistema.
2.
Alteridade
Ser tolerante é aceitar o outro como outro, como
diferente; mas é esta diferença que nos devolve a nós próprios, enriquecidos.
Coloca-nos na interdependência recíproca e na peregrinação. A tolerância é a
seriedade que admite noutrem uma maneira de pensar ou de agir diferente da que
nós mesmos adotamos, que respeita a liberdade de outrem em matéria de religião,
de opiniões filosóficas, políticas. A tolerância, então, é o modo em que um ser
existe noutro, e expressa a radical interdependência de tudo o que existe. A
força de muitas culturas tradicionais não está só na sua resistência ao infortúnio
e ao sofrimento, mas na sua habilidade para tolerar, e com isto, para integrar de
forma mais completa, o que em outras circunstâncias exasperaria e inclusive destruiria
a gente corrente.
Mas o duplo sentido de «tolerar», a sua cisão entre
suportar e combater, advertiu-nos disto: o fantasma do «intolerar» está sempre
presente-ausente na tolerância, esse fantasma que transforma o outro à sua
imagem, fazendo dele o seu outro, um quase-ser, um quase-outro. Aceitar o nosso
destino humano é assim aceitar ser afetado pela pluralidade dos singulares que,
de facto, nos afeta.
Entre os dois extremos, o de uma afirmação
irredutível da individualidade, que inviabilizaria a tolerância negando a
possibilidade de uma verdadeira comunicação, e o de uma redução do indivíduo à
formação social e política que a tornaria gratuita como esforço voluntário,
parece-nos sensato propor um meio termo, o do mútuo reconhecimento, que
possibilita o surgir do “eu” e do “tu”. Não se trata apenas de relacionar dois
indivíduos, mas de compreender que o Eu só se reconhece como tal no confronto
de identidades e diferenças com um Tu, que só a relação torna visível a individualidade.
O respeito pela alteridade não é, deste modo, mero artifício de boa convivência,
mas a condição de possibilidade de revelação ao Homem pelo Homem, da sua
Humanidade.
Ser cada vez mais tolerante, sem pôr em causa o que
é humano no homem, é tarefa concreta, para a qual a teorização só pode apontar.
A tolerância apoia-se na vivência de uma convicção: nada há mais importante que
as pessoas, e estas têm que ser integramente respeitadas, com todas as suas
peculiaridades e suas diferenças. Mais ainda, a atitude de tolerância tem fé na
possibilidade de conduzir as disputas, controvérsias e conflitos como uma
empresa cooperativa, em que ambos os lados ou partidos aprendem, ao dar ao
outro a chance de se expressar.
ELBF26
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