terça-feira, 24 de abril de 2018

zelo


Thomaz de Mello


zelo

antes do 25 de abril de 1974 creio que o nome dos que são hoje os fiscais municipais, chamavam-se zeladores. Meu pai ascendeu a esse posto em 1973. Tratava-se de assegurar que as leis, normas,
impostos, definidos pela administração pública do governo e das autarquias, fossem cumpridas. O objecto da função manteve-se. Desde a dimensão dos reclamos luminosos que devia corresponder ao pedido e concedido, à dimensão das barracas numa feira, dimensão de pavilhões para a indústria, das casa etc. Coisas enfim que podem afetar, se não cumpridas, o dia-a-dia do cidadão comum - o seu espaço; a sua comodidade; a harmonia da convivência etc. Entretanto existe uma expressão corrente e por vezes demasiado recorrente do excesso de zelo. Se a lei é para cumprir, creio que também existe o espírito da lei e o senso comum. O crime de colarinho branco, é, ou devia ser punido de uma maneira mais severa do que o crime por necessidade, ou demência, ou precariedade, por exemplo. Aí, tanto quanto eu sei - ou não sei - intervêm o espírito da lei, a motivação, as condicionantes, o entorno familiar, sociológico, a idade, entre outros. No entanto, e sem sombra de dúvida, é fundamental que os agentes da autoridade zelem para que as leis sejam cumpridas pois trata-se de assegurar o bom funcionamento da comunidade. Se bem entendi, não basta garantir o acesso de todos à justiça mas, antes de mais, garantir que todos sejam julgados da mesma maneira e com os mesmos direitos e deveres. Zelar para que a democracia, além de respeitar a vontade da maioria, seja capaz de se embelezar respeitando as minorias, evitando que haja uma ditadura da maioria. Chegado aqui, creio que se impõe uma chamada de atenção: se as leis necessitam de ser aplicadas com bom-senso; se há circunstâncias atenuantes para os delitos; se mesmo a constituição não se esgota no seu texto, necessitando da sua boa aplicação no quotidiano...então entramos no poder discricionário dos seus zeladores-fiscais, procuradores, juízes, etc. O poder instituído deve zelar para que os que verificam a aplicação e cumprimento das leis tenham uma formação o mais abrangente e completa possível tanto a nível técnico como humanístico; ético, literário; pleno de integridade, honestidade, piedade, até. Os valores de sempre que nos transmitiram os avós junto com o chá e o leite mais uns docinhos. Esses valores, se zelarmos por eles, protegem-nos dos gulosos, dos chico-espertos, dos gestores modernaços, dos carreiristas, dos vaidosos e doutros delinquentes.
  Quando falo de nível literário, dou um exemplo recente. Perante o facto dos deputados das ilhas receberem dois subsídios para a mesma viagem, o presidente a assembleia disse que tal não era eticamente reprovável. Numa comunidade decente, e para fazer pedagogia senão jurisprudência, creio que seria mais correcto, zelando pela boa harmonia social, ser dito que sendo legal é éticamente reprovável. A omissão do zelar pelos valores que deviam ser republicanos, levou a esse lapsus linguae. Devemos zelar para que os valores sagrados não sejam submergidos por interesses pessoais, partidários, clubísticos, tribais ou outros que se sobreponham aos altos interesses da comunidade-nação. O zelo é algo incómodo. Obriga a um desapego, imparcialidade e é irmão da rectidão, da hombridade, da honestidade e da integridade. Nas sociedades onde é mais praticado, torna-se na expressão máxima da liberdade, da fraternidade e da igualdade.


ELBF04

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