Thomaz de Mello
zelo
antes
do 25 de abril de 1974 creio que o nome dos que são hoje os fiscais municipais,
chamavam-se zeladores. Meu pai ascendeu a esse posto em 1973. Tratava-se de
assegurar que as leis, normas,
impostos,
definidos pela administração pública do governo e das autarquias, fossem
cumpridas. O objecto da função manteve-se. Desde a dimensão dos reclamos
luminosos que devia corresponder ao pedido e concedido, à dimensão das barracas
numa feira, dimensão de pavilhões para a indústria, das casa etc. Coisas enfim
que podem afetar, se não cumpridas, o dia-a-dia do cidadão comum - o seu
espaço; a sua comodidade; a harmonia da convivência etc. Entretanto existe uma
expressão corrente e por vezes demasiado recorrente do excesso de zelo. Se a
lei é para cumprir, creio que também existe o espírito da lei e o senso comum. O
crime de colarinho branco, é, ou devia ser punido de uma maneira mais severa do
que o crime por necessidade, ou demência, ou precariedade, por exemplo. Aí, tanto
quanto eu sei - ou não sei - intervêm o espírito da lei, a motivação, as condicionantes,
o entorno familiar, sociológico, a idade, entre outros. No entanto, e sem
sombra de dúvida, é fundamental que os agentes da autoridade zelem para que as
leis sejam cumpridas pois trata-se de assegurar o bom funcionamento da
comunidade. Se bem entendi, não basta garantir o acesso de todos à justiça mas,
antes de mais, garantir que todos sejam julgados da mesma maneira e com os
mesmos direitos e deveres. Zelar para que a democracia, além de respeitar a
vontade da maioria, seja capaz de se embelezar respeitando as minorias, evitando
que haja uma ditadura da maioria. Chegado aqui, creio que se impõe uma chamada
de atenção: se as leis necessitam de ser aplicadas com bom-senso; se há
circunstâncias atenuantes para os delitos; se mesmo a constituição não se
esgota no seu texto, necessitando da sua boa aplicação no quotidiano...então
entramos no poder discricionário dos seus zeladores-fiscais, procuradores, juízes,
etc. O poder instituído deve zelar para que os que verificam a aplicação e
cumprimento das leis tenham uma formação o mais abrangente e completa possível
tanto a nível técnico como humanístico; ético, literário; pleno de integridade,
honestidade, piedade, até. Os valores de sempre que nos transmitiram os avós
junto com o chá e o leite mais uns docinhos. Esses valores, se zelarmos por
eles, protegem-nos dos gulosos, dos chico-espertos, dos gestores modernaços, dos
carreiristas, dos vaidosos e doutros delinquentes.
Quando falo de nível literário, dou um
exemplo recente. Perante o facto dos deputados das ilhas receberem dois
subsídios para a mesma viagem, o presidente a assembleia disse que tal não era eticamente
reprovável. Numa comunidade decente, e para fazer pedagogia senão
jurisprudência, creio que seria mais correcto, zelando pela boa harmonia
social, ser dito que sendo legal é éticamente reprovável. A omissão do zelar
pelos valores que deviam ser republicanos, levou a esse lapsus linguae. Devemos
zelar para que os valores sagrados não sejam submergidos por interesses pessoais,
partidários, clubísticos, tribais ou outros que se sobreponham aos altos
interesses da comunidade-nação. O zelo é algo incómodo. Obriga a um desapego, imparcialidade
e é irmão da rectidão, da hombridade, da honestidade e da integridade. Nas
sociedades onde é mais praticado, torna-se na expressão máxima da liberdade, da
fraternidade e da igualdade.
ELBF04
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