O
PROFESSOR COMO MESTRE
Não
me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é
burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão;
estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e
aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos
louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal
distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre
possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o
professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser
mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir
pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o
alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os
homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que
lançou para os alicerces do futuro.
A
sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um
imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito
o chama; errou o que se fez professor e desconfia dos homens, se defende deles,
evita ir ao seu encontro de coração aberto, paga falta com falta e se mantém na
moral da luta; esse jamais tornará melhores os seus alunos; poderão ser
excelentes as palavras que profere; mas o moço que o escuta vai rindo por
dentro porque só o exemplo o abala. Outros há que fazem da marcha do homem
sobre a Terra uma estranha concepção; vêem-no girando perpetuamente nos batidos
caminhos; e, julgando o mundo por si, não descobrem em volta mais que uma
eterna condenação à maldade, à cegueira e à miséria; bem no fundo da alma
nenhuma luz que os alumie e solicite; porque não acreditam em progresso nenhuma
vontade de melhorar; são os que troçam daquilo a que chamam «a pedagogia
moderna»; são os que se riem de certos loucos que pensam o contrário.
Ora
o mestre não se fez para rir; é de facto um mestre aquele de que os outros se
riem, aquele de que troçam todos os prudentes e todos os bem estabelecidos;
pertence-lhe ser extravagante, defender os ideais absurdos, acreditar num
futuro de generosidade e de justiça, despojar-se ele próprio de comodidades e de
bens, viver incerta vida, ser junto dos irmãos homens e da irmã Natureza
inteligência e piedade; a ninguém terá rancor, saberá compreender todas as
cóleras e todos os desprezos, pagará o mal com o bem, num esforço obstinado
para que o ódio desapareça do mundo; não verá no aluno um inimigo natural, mas
o mais belo dom que lhe poderiam conceder; perante ele e os outros nenhum
desejo de domínio; o mestre é o homem que não manda; aconselha e canaliza,
apazigua e abranda; não é a palavra que incendeia, é a palavra que faz renascer
o canto alegre do pastor depois da tempestade; não o interessa vencer, nem
ficar em boa posição; tornar alguém melhor — eis todo o seu programa; para si
mesmo, a dádiva contínua, a humildade e o amor do próximo.
George Agostinho da
Silva, in 'Considerações'
ELBF03
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