Veloso
A ignorância é uma poção activa, transmite-se por
osmose, engrossa por conformismo, aumenta com o conforto, ferve com a
cegueira, transborda de surdez e mascara-se na ostentação.
Ser ignorante requer esforço.
É impossível não ver, não ouvir, não sentir o que se passa
diante de nós. Ao recusarmos qualquer reflexão sobre o que nos rodeia é o garante
de nada penetrar no nosso cérebro, isso requer um esforço enorme de estúpida passividade perante os eventos.
Não sentir os efeitos de actos, acontecimentos, alguns
causando imensa dor a nós e a outrem, exige falta de um pingo de
caridade, empatia e a maior insensibilidade.
Diz o povo: "coração que não vê, não sente".
Vê mas não quer sentir, não quer reflectir, não quer reagir.
Ignorância não é uma qualidade inata ou um vício apurado.
Tão pouco é uma fatalidade. Trata se de uma escolha
deliberada.
Não pensar, não avaliar, não sentir, logo não se aperceber, não captar, não medir!
Esta escolha deliberada da ignorância repousa na sensação
muito humana de necessidade de segurança/conforto. O exemplo extremo mais
recente foram as eleições no Brasil.
Há dois meses, num pequeno almoço com um velho
amigo, ponderado, informado, sempre calmo e cheio de bom senso o qual é professor
catedrático na universidade de Brasília, percebi que ele ia votar Bolsonaro por
duas razões: segurança pública e a enorme e abjecta corrupção vigente. Sei que
muitos outros irmãos do Brasil o fizeram.
Ignorância inata ou vontade de ignorar?
Escolha de um mal menor mesmo depois de
reflexão, conhecimento, provas.De mansinho o mesmo se está a passar na
Europa.Tenho para mim que temos de ir mais além dos chavões e das verdades
adquiridas.Lutar pelos valores mais nobres, reconhecer o nosso conformismo
latente, o nosso comodismo, a nossa indiferença por tudo o que achamos que não é
connosco. Partir para a empatia, o desapego de nós, a sensibilidade pela dor de outrem e partilhar mais a nossa dor, os nossos anseios, as nossas dúvidas e
levantar o céu.Rejubilar com a natureza e dar graças por estarmos debaixo do
mesmo céu.
Ignorar, porque não, as dicotomias gastas de
esquerda, direita, crentes, ateus, europeus, árabes, asiáticos etc..Voltar às raízes
que nos fizeram evoluir e progredir como humanos - prover à nossa
sobrevivência; cultivar a associação que mostrou ao homem pré histórico como
prevalecer sobre outros animais; lembrar os valores que preservaram a espécie,
começando na família, alfobre do nosso caráter.
Nesses valores ancestrais reside a disciplina fundamental
sem a qual não existe liberdade.A liberdade não é unívoca antes se exerce e se
sente em função do outro ou da sociedade.Para tal é necessário desde logo
igualdade perante a lei. Mais, a lei deve ser exercida de modo igual e o acesso
também.
A única observância justa deve ser a equidade a qual julga
as motivações, justificações e eventuais atenuantes para que as penas possam
ser diferenciadas no mesmo crime.Um juiz tem de ser um baluarte de
sabedoria, empatia e bom senso.
O poder judicial tem de estar separado do poder
executivo.Isto é algo que tem vindo a degradar-se em muitos países ultimamente.
Estes princípios básicos já permitem uma dose enorme de
liberdade em sociedade.Ao indivíduo cabe não esmorecer nos valores que lhe foram confiados, não ceder perante o que enunciei no início e ter a coragem de
estender a sua mão para o seu irmão.Quanto mais nos abrimos, mais
partilharmos, mais confiarmos, mais aprendemos e estamos mais próximos da liberdade
a qual, como o mais belo monumento, nunca está completo,nunca a sua profundidade
estará totalmente desvelada, nunca o seu pináculo estará alcançável pois ele
será tanto maior quanto mais profunda for a busca do nosso interior.E no que
pensamos que estará a palavra perdida, encontraremos outro desafio ainda maior: o
tamanho da nossa ignorância.
ELBF04
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